"Prefiro que as pessoas me chamem de Fábio ou Peixeira", diz o ator Milhem Cortaz sobre a fama
Mariane Zendron
Do UOL, em São Paulo
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Leandro Moares/UOL
Milhem Cortaz recebe reportagem do UOL em sua casa, no bairro do Sumaré, em São Paulo (13/6/12)
Pode parecer que ele surgiu em “Tropa de Elite”, na pele do Capitão Fábio, aquele que “pede para sair”, mas o ator paulistano Milhem Cortaz, 39 anos, foi chegando aos poucos. Só decidiu se aventurar no cinema após 10 anos de trabalho no teatro. Seu primeiro papel de destaque nas telonas foi em “Carandiru”, em 2003, em que interpretou o bandido Peixeira, quatro anos antes do primeiro “Tropa”.
De uns anos para cá, as pessoas o reconhecem na rua, não pelo nome de seus personagens, mas o de origem árabe que herdou de seu pai. Milhem gosta da abordagem e, como ele mesmo explicou, é um cara popular. “Não dá para não ser próximo. Eu fui do bandido coitado ao policial coitado. Os meus grandes fãs são da classe proletária. É o policial, o ex-detento, o motoboy, o segurança, o garçom. Os olhos desses caras brilham quando me veem”, disse ele.
O ator sempre falou abertamente sobre sua vida pessoal, mas quando recebeu a reportagem do UOL em sua casa, no bairro paulistano do Sumaré, disse que daqui para frente pretende se fechar para perguntas que não tenham a ver com seu trabalho. “Não tenho vontade de abrir a minha vida e, nas poucas vezes que fiz isso, as pessoas não entenderam nada”. Milhem se refere a duas entrevistas feitas recentemente. Ele ainda contou que contratará um assessor em breve.
Com mais entusiasmo, o ator falou dos novos trabalhos para o cinema, televisão e teatro. O filme “Boca”, sobre a Boca do Lixo, em São Paulo, tem estreia prevista para o final de agosto. Já a série da Record “Fora de Controle”, na qual Milhem faz seu primeiro protagonista, terá uma segunda temporada em 2013.
Há ainda outros dois filmes, “Dores de Amores” e “O Lobo Atrás da Porta”, em que ele deixa de lado seus personagens com cara de mau e ser entrega ao romance. Milhem acredita que as novas oportunidades vieram porque teve paciência de esperar que os diretores oferecessem coisas novas. Prestes a fazer 40 anos de idade, o ator passa por um momento de transição em vários sentidos. Todos os desabafos, análises e relatos de Milhem durante a entrevista, você confere a seguir:
UOL: Milhem, você está com muitos projetos no cinema, teatro e televisão. Conta um pouco o que está vindo por aí?
Milhem Cortaz: Tem o filme “Boca”, o “Dores de Amores”, o “O Lobo Atrás da Porta”. Na TV, a série “Fora de Controle” também vai voltar, agora com oito capítulos. Devemos começar a filmar no final deste ano ou começo do ano que vem. É um trabalho que adorei fazer. Com 39 anos, acho que esse é o meu melhor trabalho, mais maduro, menos visceral.
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Milhem Cortaz e Rafela Mandelli em "Fora de Controle", da Record
Do que você gosta mais: teatro, cinema ou televisão?
Eu gosto mais de teatro. O cinema é consequência. Passei muito tempo da minha vida fazendo teatro. Quando eu estava muito seguro, comecei a focar no cinema, que é meu tesão também. Fui aos poucos. Fiz uma pontinha ali outra aqui para entender o universo. Quando cheguei no “Carandiru”, estava pronto para contar aquela história. Sempre tive muita calma para poder aproveitar as oportunidades quando elas aparecessem. Hoje, podem gostar ou não do meu trabalho, mas não podem falar que não sou ator.
Você disse que os diretores estão te dando chance de fazer outros tipos de papel. Você fica preocupado que o público te veja sempre como o vilão?
Tenho tanto tempo para fazer as coisas. Não me preocupo em ser visto só como personagens fortes. Pô, que bom que me veem. A minha vaidade, eu mato no teatro, lugar que eu faço qualquer coisa. Uma coisa que a vida me ensinou foi ter paciência. Eu nem penso em reverter isso. O Marçal [Aquino, roteirista de “O Cheiro do Ralo”] falou para mim: “Amigo, vamos dizer que você só faça assassino. Existem mais de 150 tipos e eles não são iguais”. Isso me deu tranquilidade. Aquela pessoa lá no meio é muito mais rica que a história toda. Você compra a história do Fábio. Com todos os defeitos que ele tem, as pessoas o adoram.
Você disse algumas vezes que gosta de conter a vaidade. Por quê?
O ator é vaidoso e escolhe subir no palco porque quer aparecer, mas a vaidade é nossa maior vilã. Eu tomo muito cuidado com isso porque quando você é vaidoso, morre em vida. É preciso saber que a vaidade existe e tem que ter um domínio. O que é legal é que eu estou sabendo levar.
Não tenho vontade de abrir minha vida e, nas poucas vezes em que fiz isso, as pessoas não entenderam nada
Milhem Cortaz, ator E isso tem a ver com o fato de você levar uma vida discreta?
Sou um cara discreto para adiar o inevitável. Na minha velhice, serei muito mais importante que o meu personagem. É mais fácil fazer você acreditar em meus personagens e me defendo melhor. Prefiro que as pessoas me chamem de Fabio ou de Peixeira do que de Milhem Cortaz. Não tenho vontade de abrir a minha vida e, nas poucas vezes em que fiz isso, as pessoas não entenderam nada. Fizeram sensacionalismo. A Record fez uma matéria comigo na minha casa, com o Paulo Henrique Amorim, que me deu vergonha. Parecia que eu era um retirante que vendia sabão de coco, chegou na cidade grande, venceu e hoje vende Avon. Só que eles são uns idiotas porque fizeram essa matéria e mostraram fotos minhas esquiando em Aspen, passeando na Itália. Então, que vida difícil que eu tive? Esse lance das drogas [A reportagem que foi ao ar no “Domingo Espetacular” contou que Milhem foi morar na Itália, com 16 anos, após se envolver com drogas]. Gente, eu tinha 14 anos, hoje tenho 40. Eu era um moleque. Experimentei como todo mundo. Aí já falam que quase morri.
Mas tudo isso que aconteceu na sua vida não contribuiu para seu trabalho?
É óbvio. Sou um cara do cacete por tudo o que passou na minha vida. Tenho o maior orgulho da minha história. Posso estar parecendo um pouco agressivo, mas é porque eu fui muito machucado nessa última entrevista.
Não sei até quando a Record vai me aguentar ou até quando vai ter dinheiro para me pagar, porque custo caro
Milhem Cortaz, ator Você acha que se você fosse protagonista de uma novela da Globo seria mais difícil se preservar?
Acho que isso é uma questão de postura. Eu ia continuar pegando metrô, indo até a padaria. Isso às vezes causa espanto nas pessoas. É tão comum me ver no metrô que, primeiro, a pessoa acha que estudou comigo. Eu falo que sou ator e elas ficam surpresas. Não queria que minha vida mudasse desse jeito. Tenho medo de roubo, sequestro. Tenho uma filha. E não dá para não ser próximo. Peguei todas as classes do proletariado. Eu fui do bandido coitado ao policial coitado. Meus grandes fãs são da classe proletária. É o policial, o ex-detento, o motoboy, o segurança, o garçom, o gerente do banco. Os olhos desses caras brilham quando me veem. Eu fico muito feliz com tudo isso porque é para eles que estou falando.
E por um papel bacana na Globo, você deixaria a Record?
Acho feio dizer isso porque jamais deixaria lugar algum. Mas por uma boa história, eu largaria qualquer coisa, até a minha casa, como largo direto. Não tenho a vaidade de dizer que agora quero ser global. Vou ser um dia. É natural que eu vá pra lá um dia. Não sei até quando a Record vai me aguentar ou até quando vai ter dinheiro para me pagar, porque eu custo caro.
Mas se você virou protagonista de uma série da casa, eles estão te aguentando ou investindo?
Eles estão investindo. Eu acho bonita a minha história com a Record. Sempre tiveram o carinho de me manter lá. Eles me dão a liberdade para trabalhar tudo o que eu quero, me sinto em casa. Ao mesmo tempo, vejo que não sou só mais um lá dentro. Agora, me colocaram num lugar que acho que é devido, que é ser protagonista. Eu sou muito sortudo porque eu só fiz coisa boa lá dentro, mas sempre tive que fazer teste e não me incomodo com isso.
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Cena do filme "Boca", sobre a Boca do Lixo
Fez testes para todos os filmes?
Em todos. Só não fiz teste para o “Tropa” porque estavam desesperados atrás de um cara para fazer o personagem. Os ensaios tinham até começado. Peguei o roteiro e liguei para a Fátima Toledo [preparadora de elenco], mesmo sabendo que ela não gostava muito de mim. Ela achava que eu era uma pessoa inacessível. Mandei o material e o Padilha falou para eu arrumar minha mala e ir para o Rio. Olha que loucura. Sabe quando uma coisa é para ser?
E tem algum personagem que você está esperando um convite para fazer?
Eu queria fazer um pai para falar de responsabilidade, porque eu estou num momento assim, de virada. Quero fazer uma coisa mais delicada.
Como é você como pai?
É uma coisa fascinante ser pai. Primeiro porque existe uma pessoa que depende de você e segundo porque você tem que se reeducar, descobrir seus limites. Essa troca é muito humana. Estou aprendendo muito com a minha filha. Eu levo na escola, eu busco, sou um p.. pai. Meu grande talento na vida, eu descobri agora. Acho que nasci para ser pai, não para ser ator. Eu nunca briguei com minha filha, mas tem uma coisa que é legal, ela olha no meu olho e me respeita.
Bom, Milhem. Acabou. Já fiz todas as perguntas e obrigada pela entrevista.
Uau! Você escondeu alguma pergunta que você ficou com medo de fazer?
Não, fiz todas mesmo.