Fernanda Montenegro vê vantagens em nunca ter feito plástica: "é um descanso"

Carla Neves

Do UOL, no Rio

  • Roberto Filho / AgNews

    3.dez.2012 - Mirna Spritzer e Fernanda Montenegro participaram da coletiva de "Doce de Mãe", especial de final de ano da Rede Globo, que aconteceu no Rio

    3.dez.2012 - Mirna Spritzer e Fernanda Montenegro participaram da coletiva de "Doce de Mãe", especial de final de ano da Rede Globo, que aconteceu no Rio

Longe da TV desde “As Brasileiras”, Fernanda Montenegro vai voltar à Globo na pele de uma divertida octogenária no especial de fim de ano “Doce de Mãe”, previsto para ir ao ar no próximo dia 27, depois de “Salve Jorge”. Na história, Picucha – papel da atriz – fica sabendo que sua empregada há 27 anos terá de deixá-la porque vai se casar e convoca os quatro filhos para contar a novidade. Escrita e dirigida por Jorge Furtado e Ana Luiza Azevedo, a trama traz à tona uma questão comum nas famílias contemporâneas: quem vai cuidar da mãe no fim da vida.

Aos 83 anos, dois anos mais nova que sua personagem na produção, Fernanda contou em entrevista ao UOL que tem lá suas semelhanças com Picucha, como o amor pelo samba e a postura positiva diante dos problemas da vida. Viúva desde 2008, a mãe da atriz Fernanda Torres e do cineasta Cláudio Torres afirmou que é uma mulher comum, que come “feijão com arroz” como todo mundo, e vê vantagens em nunca ter se submetido a cirurgias plásticas. "No fundo, é um certo descanso. Porque aí só dão velhas para a gente fazer. E quando dão velhos para a gente fazer geralmente são papéis bons. Não tenho que forçar rugas nem nada porque vai naturalmente", argumentou.

Leia, abaixo, a entrevista completa com a atriz:

UOL – Como você definiria a Picucha?
Fernanda Montenegro
– A Picucha é aquela vovó da gente. Uma senhorinha esperta, carinhosa, que tem consciência de sua velhice. Toma seu banho, usa sua lavanda, se cuida, está sempre com a casa organizada, mas não é uma vovó chique que vive de plástica e de cremes. É uma mulher com pé no chão e, ao mesmo tempo, uma mulher com muita fantasia. Sabe que está idosa, sabe que a qualquer momento pode cair no perigo definitivo, mas vai vivendo com humor.

Quem nos assiste nos joga num mundo de fantasia, como se fôssemos ETs. Acham que vivemos num mundo só de alegrias. Essas revistas de futrica criam um tipo de imagem inexistente. Faço dessa profissão um ofício. Se precisar cozinhar, cozinho. Vivo num apartamento muito bom. Mas se amanhã precisar viver num quitinete vou viver.

Fernanda Montenegro, atriz, sobre cozinhar

Ela se parece com você?
Olha, também estou numa idade diria provecta. Na medida em que ainda estou aqui dando entrevista e tenho tantos convites maravilhosos para trabalho – e até dou conta desse trabalho – tenho sim um pouco da Picucha.

Sua personagem cai no samba e toma porre. E você, gosta de samba e de uma cervejinha?
Gosto muito. Nisso sou muito parecida com a Picucha. Amo Noel Rosa, Cartola, Nelson Cavaquinho, Zeca Pagodinho, Paulinho da Viola. Paulinho é um príncipe. Estou por dentro dessa música popular brasileira a qual fui criada.

Você disse que sua personagem nunca fez cirurgias plásticas nem usa cremes para se manter jovem. O que você pensa de quem faz intervenções cirúrgicas para estética?
Acho que quem foi por aí e ficou bem, ficou feliz, fez muito bem de fazer. Não me oponho a nada. Cada um faça do seu rosto, da sua vida e do seu corpo o que bem quiser. Quando abri os olhos já não dava mais. E disse: ‘agora é tarde, vai assim mesmo’. Estou feliz com isso também. No fundo, é um certo descanso. Porque aí só dão velhas para a gente fazer. E quando dão velhos para a gente fazer geralmente são papéis bons. Não tenho que forçar rugas nem nada porque vai naturalmente. Não posso me queixar.

  • Divulgação/TV Globo

    27.dez.2012 - Fernanda Montenegro vive Dona Picucha no especial de fim de ano "Doce de Mãe", da Globo

Você é vista na classe artística como uma unanimidade. Como se sente em relação a isso?
Acho que insisto há muitos anos, sobrevivo há 65 anos nessa vida artística. Se depois de 65 anos, ainda viva, alguém não lembrar de mim, alguém não achar que gosta de mim, é melhor dar um tiro na cabeça. Então fico feliz sim, porque não foi de graça. São muitos anos nessa batalha. Então é ótimo. Se me querem fico feliz.

E o que você acha de ser considerada um mito?
Pois é. Isso é uma fantasia. Porque não sou um mito. Sem nenhuma demagogia, sei das minhas falências, das minhas dificuldades, o que tremo na hora de entrar em cena. Mesmo na milionésima apresentação na televisão ou no cinema não existe calma, não existe zona leve. É uma profissão muito difícil porque exige um vestibular por dia, um vestibular a cada hora. Não tem zona de deusas. Não existe isso.

Sua personagem é uma exímia cozinheira. Você sabe cozinhar?
Cozinho. Faço o grosso. Quem nos assiste nos joga num mundo de fantasia, como se fôssemos ETs. Acham que vivemos num mundo só de alegrias. Essas revistas de futrica criam um tipo de imagem inexistente. Faço dessa profissão um ofício. Se precisar cozinhar, cozinho. Vivo num apartamento muito bom. Mas se amanhã precisar viver num quitinete vou viver.

Qual é a sua especialidade na cozinha?
Sei fazer um figo recheado com nozes. Também faço massa muito bem. Meu neto sempre pergunta à mãe: ‘o que vovó põe naquele macarrão?’. Meu neto de quatro anos às vezes fala: ‘hoje quero comer o cabelo de anjo da vovó’. Na minha casa tem feijão com arroz.

Como você lida com a morte?
Quando a gente é jovem, a gente tem obrigação de achar que está lá no planeta Júpiter. Quando chega a minha idade, a gente pode achar que está ali na Lua. Não está lá no planeta Júpiter, está aqui na Lua (risos). A Lua a gente vê aqui da Terra. Júpiter a gente vê uma estrelinha brilhando lá no firmamento. A Lua você vê a bicha aqui do lado, todo dia aparecendo e desaparecendo. Então tem uma hora que ela vem no pensamento e uma hora que não vem. Quando vem no pensamento: ‘ai, meu Deus, que horror!’. Quando sai do pensamento, a gente nem se lembra que existe. É por aí.

Você ainda tem vontade de fazer novela?
Uma boa novela eu faço com prazer.

Isso é uma fantasia. Porque não sou um mito. Sem nenhuma demagogia, sei das minhas falências, das minhas dificuldades, o que tremo na hora de entrar em cena. Mesmo na milionésima apresentação na televisão ou no cinema não existe calma, não existe zona leve. É uma profissão muito difícil porque exige um vestibular por dia, um vestibular a cada hora. Não tem zona de deusas. Não existe isso

Fernanda Montenegro, atriz, sobre ser considerada um mito

O que seria uma boa novela para você?
A última boa novela que fiz foi “Belíssima”. Foi uma novela domada, mais feita, com personagens definidos.

Ao assistir ao remake de “Guerra dos Sexos”, você sente vontade de fazer uma participação na novela?
Não. Porque aquele elenco ficou lá no passado. É uma novela de 30 anos atrás, não tinha celular, não tinha internet. Ainda tinha menino de recados. É uma história que tem descendentes. Mesmo porque o Paulo [Autran] já não está mais nesse mundo, infelizmente.

Ao contrário da Picucha, que só consegue ter liberdade no fim da vida, você sempre teve liberdade. Como você lida com isso?
Acho a minha profissão libertária. Se você quiser se aprisionar o problema é seu. Antes todos os papeis eram interpretados por homens. A partir do momento que a mulher entrou no palco, ela virou uma criatura igual. Todo mundo diz: ‘você é melhor atriz do que ele ator’. Seja você mulher, homossexual, sei lá o quê. Não interessa em que zona de sexualidade você joga. Interessa que publicamente o espaço é igualitário. Então essa liberdade o teatro dá. Na sua vida, se você quiser se escravizar, o problema é seu. Desde que entrei nessa profissão sempre tive muita liberdade. Fui casada 60 anos com um homem absolutamente guerreiro [Fernando Torres], maravilhoso, que nunca impediu nada na minha vida. Pelo contrário. Ele aguentou com muita coragem, galhardia e generosidade uma mulher que fazia imenso sucesso ao lado dele. Nem todo homem aguenta isso. Tenho uma vida livre ou libertária desde que pisei no palco.

Falando no Fernando Torres, neste final de semana haverá a inauguração da Arena Cultural Fernando Torres, em Madureira, zona norte do Rio. Como recebeu essa homenagem ao seu marido?
Acho uma justiça extraordinária. Acho que meu marido deve estar feliz onde ele está. É um espaço maravilhoso, num centro populoso, dentro de um parque. Um espaço multiuso. Pode fazer espetáculos de A a Z ali. Também pode-se ir de A a Z em matéria de música, de dança, de pagode, do que for. É um espaço aberto para o que vier.

  • Divulgação/TV Globo

    27.dez.2012 - Fernanda Montenegro e Marco Ricca durante gravação do especial de fim de ano "Doce de Mãe", da Globo

O que você faz para se manter em forma?
Gosto de viver, gosto do que faço. O que faço exige memória, disposição física e tem também uma constituição. Acho que é um conjunto de coisas até onde posso enxergar. Não tenho receita. Como sadiamente, vou aos meus médicos: tenho um clínico, uma ginecologista e um otorrinolaringologista. Faço meus exames de seis em seis meses, olho os meus orifícios todos e é isso.

O que vai fazer no fim do ano? Onde vai passar?
Vou viajar. Foi um ano pesado, de muito trabalho. Vou com minha filha, meu genro e meus netos. Estou indo também não só porque quero ir, mas também porque meus netos querem que eu vá. Então eu vou. Vamos ficar um mês fora.

E quando você voltar? Já tem planos?
Estou preparando um espetáculo para eu dirigir com o Otávio Augusto que se chama “Nelson Rodrigues por ele mesmo”. Eu pretendo começar a trabalhar nele logo que chegar da viagem. E já estou totalmente fechada com “Saramandaia”. É uma novela de 70 capítulos que a Denise Saraceni vai dirigir na Globo. Deve estrear em 1º de junho. Esse vai ser o meu primeiro semestre. Se a série entrar para a grade da emissora já é para o segundo semestre.

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