Mariana Xavier diz que nem todo gordo vive agarrado à panela de brigadeiro
Carla Neves
Do UOL, no Rio
Três vezes por semana, a atriz Mariana Xavier, de 33 anos, tem programa certo pelas manhãs: pontualmente às 10h, ela bate ponto nas aulas de muay thai do professor Daniel de Oliveira em uma academia em Vargem Grande, bairro da zona oeste do Rio. Com 1,57m de altura e 83 quilos, a intérprete da assanhada Ana Rita, da novela "Além do Horizonte", da Globo, primeiro se alonga. Em seguida, faz um treinamento funcional, em que pula corda, pega peso, faz polichinelo, flexão e abdominal. Depois, passa para a parte técnica, em que põe em prática os fundamentos da arte marcial, como joelhada, canelada, jab direto e a parte da luta em si. O UOL acompanhou uma aula de Mariana, que fez questão de explicar que o sobrepeso não impede ninguém de ser saudável.
"Existe essa coisa errada de achar que todo gordo é gordo porque quer, porque é relaxado, porque tem preguiça, porque não tem força de vontade, que fica em casa sedentário, agarrado numa panela de brigadeiro. Não é assim. Acho que a gente tem que entender que existem mil fatores que podem fazer uma pessoa engordar e outros mil que podem fazer essa pessoa não conseguir emagrecer. E nem por isso ela está fadada a ter uma vida sedentária e escondida do mundo. Eu e o Daniel somos um pouco disso, a gente continua gordinho. Ele é da minha trupe dos gordinhos saudáveis!", contou, referindo-se ao professor de muay thai, que também está acima do peso.
Nosso objetivo principal é que essa nossa mensagem de amor próprio e autoestima chegasse às mulheres comuns, anônimas e reais. Por isso escolhemos fazer o ensaio e divulgar no Instagram
Mariana contou que se interessou pela luta porque nunca apreciou a malhação convencional. "Na verdade, não gosto muito de ficar na esteira, é meio torturante. Sou geminiana, sou agitada no nível master. Então adoro dança, luta. Enquanto no meu relógio biológico passa duas horas, no relógio da esteira passa dez minutos. Acho muito chato! É claro que assistindo televisão, a hora passa um pouco melhor. Mas não gosto. Fora que sempre tive essa coisa de tentar procurar atividades físicas que me enriquecessem como atriz. Porque ninguém vai me chamar para fazer um papel porque sei andar na esteira. Qualquer hamster sabe fazer isso. Agora, se luto, danço ou tenho o mínimo de noção de outras atividades, isso pode me ajudar profissionalmente. Inclusive tenho um projeto de um seriado para a TV em que minha personagem é uma dublê. Nele precisaria saber algumas coisas de luta", afirmou ela, acrescentando que o muay thai é "incrível em termos de trabalho aeróbico, de resistência e de trabalhar com músculos pouco usados no dia a dia. "Na aula descobrimos músculos que nem sabíamos que existiam. Ao mesmo tempo é divertido, você não sente a hora passar".
A atriz – que ficou mais conhecida do público ao interpretar a gordinha Marcelina no filme "Minha Mãe É Uma Peça", estrelado por Paulo Gustavo – disse que começou a brigar com a balança na adolescência. "Até os meus 18 anos, pesava 52 quilos. Até então, não tinha muito problema de peso. Quando engordava muito ia para 54 quilos. Olha que coisa grave! (risos). A partir dos 18, comecei a dar uma 'brigadinha' com a balança, só que essa margem foi aumentando. Primeiro foi cinco quilos. Aí emagrecia. Depois foi oito quilos e depois foi dez. Na verdade, fiz tudo de errado que todo mundo dizia para não fazer, que era: 'não toma remédio para emagrecer que quando você parar vai engordar o dobro'. Tomei todos os remédios para emagrecer que alguém possa imaginar. Emagrecia, parava o remédio e engordava de novo", lembrou.
Se eu disser que todo dia eu me olho no espelho e me acho linda e maravilhosa é mentira. Não é assim. Eu acho que nem uma magra se olha no espelho todo dia e se acha linda e maravilhosa. Tem aquele dia que você fala: 'nossa, hoje eu estou gata!'. E tem dia que você não se acha nada bom. Eu acho que essa insatisfação é do ser humano
Mariana contou que só entendeu seu "efeito sanfona" depois de anos de terapia. "Não era só uma questão de comer. Descobri que esse meu 'efeito sanfona' tinha esse caráter defensivo. Porque teve uma fase da minha vida, quando era professora de lambaerórica, aos 20 anos, em que estava dentro de um padrãozinho. Vestia manequim 38 e pelo fato de eu dançar e rebolar, as pessoas faziam um julgamento equivocado. Pensavam que por ser dançarina, eu era mega bem-resolvida sexualmente. E aí teve uma fase que era super enxergada como 'um pedaço de carne'. Aquela fase que todo homem quer te comer, mas nenhum quer pegar na mão e levar para o cinema no sábado à noite. Depois, foi um processo terapêutico longo, para eu entender que essa coisa de estar mais gordinha era uma defesa minha, de falar tipo: 'não, se eu estiver um pouquinho mais gordinha e um pouquinho menos atraente, quem se interessar por mim vai se interessar pela pessoa efetivamente e não pela dançarina que está ali no palco, rebolando'", disse.
Ela disse que embora pareça muito bem-resolvida atualmente, já sofreu em vários momentos desde que engordou. "Se eu disser que todo dia eu me olho no espelho e me acho linda e maravilhosa é mentira. Não é assim. Eu acho que nem uma magra se olha no espelho todo dia e se acha linda e maravilhosa. Tem aquele dia que você fala: 'nossa, hoje eu estou gata!'. E tem dia que você não acha nada bom. Eu acho que essa insatisfação é do ser humano. Claro que incomoda, tem horas que eu penso: 'se eu vestisse manequim 38, como eu vestia há 10 anos, eu ia achar roupa que servisse em qualquer loja'. Mas eu acho que o importante é você não deixar isso ser maior do que você, deixar que isso te domine e te deprima a ponto de você se entregar para essa situação", opinou.
No início de fevereiro, Mariana resolveu aproveitar seus quilos a mais para fazer uma campanha em prol das diferenças. Ao lado das atrizes Cacau Protásio, Simone Gutierrez e Fabiana Karla, ela vestiu um biquíni e posou para um ensaio fotográfico em uma praia do Rio. "Nosso objetivo principal foi que essa nossa mensagem de amor próprio e autoestima chegasse às mulheres comuns, anônimas e reais. Por isso escolhemos fazer o ensaio e divulgar no Instagram", explicou, contando que a ideia surgiu depois que uma revista publicou uma matéria sobre como as gordinhas poderiam aproveitar o verão.
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Luciana Paes , Yanna Lavigne, Sheron Menezzes e Mariana Xavier posam nos bastidores do concurso "Miss Tapiré", de "Além do Horizonte"
"Uma revista infeliz publicou essa barbaridade, dizendo para as gordinhas usarem roupas enormes e estampadas só para dar pinta na praia. Ou ficar fazendo castelinho de areia com as crianças e usando um vestidinho leve. Se o calor estiver muito forte, pedir, na pior das hipóteses, para as crianças cavarem um buraco e as enterrarem, já que só com a cabeça para fora da areia ninguém perceberia os quilinhos que elas ganharam. E elas ainda seriam 'a tia mais legal da praia'. Achamos tudo tão absurdo. Então pensei em falar com as meninas para saber se elas topariam fazer umas fotos de biquíni e tentar reverter isso para o lado positivo. E a repercussão foi muito maior do que a gente podia supor", revelou.
Embora no momento esteja gorda por "opção e dificuldade" – não é super fácil pensar em perder 20 quilos agora, disse –, Mariana disse que é a favor de a mulher se sentir bem sempre, independentemente do peso. "Profissionalmente, para mim, estar acima do peso está sendo muito bacana. Tenho projetos que dependem de estar com esse biotipo. Então agora não é o momento de eu pensar em emagrecer. Acho que o importante também é saber que você pode mudar a qualquer momento. O fato de a gente levantar a bandeira e dizer que gordinha pode ir à praia de biquíni não quer dizer que a gente não tenha vaidade, nem que a gente não possa, de uma hora para outra, falar: 'não, agora eu cansei, eu não estou me sentindo bem gorda e vou emagrecer'. O Gabriel, o Pensador tem uma música com uma frase que eu adoro, que é: 'seja você mesmo, mas não seja sempre o mesmo'. Todo mundo tem o direito de mudar de opinião. A gente está lutando pelo respeito às diferenças. E ter o direito de mudar de pensamento também precisa ser respeitado", argumentou.