Delator de padre Marcelo Rossi nunca será conhecido
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Roberto Assuncao/Folha Imagem
Padre Marcelo em show de 2006, no Estádio do Morumbi, em São Paulo. Ele foi acusado de desvirtuar as práticas católicas e de transformar a missa em "circo"
Independentemente de quem for, o religioso brasileiro que denunciou o padre Marcelo Rossi e suas práticas ao Vaticano, provavelmente sua identidade nunca será conhecida do público.
Isso porque, de tudo o que faz, a Congregação para a Doutrina da Fé (Inquisição) tem a preservação da identidade dos delatores como um de seus fundamentos mais básicos e protegidos.
Há um motivo histórico para esse sigilo.
Tanto durante a Reforma Protestante como nos anos imediatamente a seguir à Revolução Francesa (1789), praticamente todos os católicos que foram acusados de ser delatores foram punidos das mais diversas formas --como a fogueira que eles próprio acenderam ou, no caso da França, linchados ou na guilhotina.
Somente entre 1789 e 1800 a estimativa é que foram mortos pelos revolucionários (e pela turba descontrolada), apenas na França, cerca de 40 mil padres e freiras.
Muitos desses haviam sido apontados como bajuladores do Vaticano e da Inquisição, e que haviam delatado muitos franceses como hereges e fariseus.
Esses padres e freiras foram perseguidos até os mais longínquos campos franceses, e, quando não eram guilhotinados, eram simplesmente espancados até a morte.
Seus corpos eram esquartejados e exibidos em pontos diferentes das cidades.
Quando a Inquisição condenava alguém que já havia morrido, seus ossos e restos eram exumados, jogados novamente numa fogueira, depois moídos e espalhados nos mais diversos lugares. O objetivo era que a alma penada do herege nunca mais descansasse e se encontrasse.
ATÉ MÚSICOS NA FOGUEIRA
Cabe lembrar que não só religiosos, mas até músicos foram mandados para a fogueira pelos inquisidores. Era proibido, por exemplo, tocar o chamado trítono --um intervalo de três tons inteiros entre dois acordes.
Se você não entende nada de teoria musical, basta assistir a algum filme de terror. Aqueles temas fantasmagóricos durante os momentos mais tenebrosos da película quase sempre são baseados em trítonos.
O trítono, diziam os padres, causa sensações e sentimentos satânicos nas pessoas. Uuuuuuuh!
Ou seja, se um organista de uma catedral católica por acaso errasse um acorde e caísse num trítono, podia ser retirado da igreja pelos cabelos e linchado pela multidão à sua porta.
Sempre em Nome de Deus, claro.
Ricardo Feltrin
Ricardo Feltrin é colunista do UOL desde 2004. Trabalhou por 21 anos no Grupo Folha, como repórter, editor e secretário de Redação, entre outros cargos.