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26/04/2010 - 17h22

"Pensei em sair do Brasil porque fui deixado de lado", diz Felipe Camargo em entrevista

LUCIANA ACKERMANN
Do UOL, no Rio

Maria Elisa Franco/UOL

O ator Felipe Camargo fotagrafa plantas na Joatinga, no Rio de Janeiro (22/4/10)

O ator Felipe Camargo fotagrafa plantas na Joatinga, no Rio de Janeiro (22/4/10)

"Para Fernando Meirelles, foi a escolha de um ator para um personagem. Para mim, foi uma mudança de rota", conta Felipe Camargo sobre o momento em que vivia ao receber o convite do cineasta para protagonizar a minissérie "Som e Fúria", em 2009. O ator estava de malas prontas, rumo aos Estados Unidos. "Para eu ficar fazendo ponta aqui, faço ponta lá e ganho em dólar", pensou.

O ator, que viveu Édipo em "Mandala" (1987) e se casou com a atriz Vera Fischer, passou por um período tumultuado na vida, marcado pelo uso de álcool e drogas, e deixou de ser chamado para papéis centrais na TV Globo. "Durante uma época as pessoas me julgavam sem levar em conta o meu trabalho. Mesmo tendo feito bons papéis, fui colocado de lado", lembra.

Bem-humorado e feliz com a boa fase da vida, Felipe Camargo fala sobre a paixão pela fotografia, a retomada de sua carreira e a vontade de ser pai novamente.

A conversa com o UOL aconteceu durante um passeio de carro pela Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro, e uma visita à galeria onde ele expõe suas fotos.

UOL - Você estava querendo deixar o Brasil?
Felipe Camargo –
Aqui estava difícil, eu sempre gostei do cinema americano, já havia sonhado em morar fora e pensei: "Para eu ficar fazendo ponta aqui, faço ponta lá e ganho em dólar". Eu estava de malas prontas quando surgiu o convite do Fernando Meirelles. A ideia era fazer um curso nos Estados Unidos para tentar começar alguma coisa lá. Mas, minhas perspectivas mudaram. Cheguei a perguntar ao Fernando se ele queria que eu cancelasse a viagem. Não foi necessário. Deu para fazer o curso de teatro em Los Angeles durante 45 dias e depois me dedicar ao “O Som e Fúria”.

UOL – Como foi voltar a viver um protagonista?

Felipe Camargo –
O Fernando Meirelles foi fundamental na minha vida, sou muito grato a ele. Para ele, foi a escolha de um ator para um personagem. Para mim, foi uma mudança de rota. Durante uma época as pessoas me julgavam sem levar em conta o meu trabalho, os 14 anos em que fiquei em recuperação. Todo um esforço. Mesmo tendo feito bons papéis, fui colocado de lado. O Fernando me pinçou e deu a oportunidade para eu fazer o personagem mais rico da minha carreira. Para mim, o “Som e Fúria” foi um divisor de águas na minha vida, assim como “Anos Dourados”. Na verdade, acredito que tive três grandes divisores com alguns mestres. O Damião [Carlos Wilson Damião, diretor de teatro], do Tablado, onde, entre outros trabalhos, fiz a peça “Capitães de Areia”; o [diretor] Roberto Talma, que me lançou na televisão com a minissérie “Anos Dourados”, e o Fernando Meirelles com “Som e Fúria”. O Dante é um Hamlet. Tem tragédia, comédia, drama, paixão. É quase um cara que pensa alto. O Dante quer o resgate da vida.

UOL – Como foi a recepção dos colegas da emissora com o seu retorno?
Felipe Camargo –
Foi muito bacana. Graças a Deus, tenho amigos, sou um bom colega. Vi muita gente torcendo. As pessoas chegavam perto de mim dando parabéns. Seja porque admiram e respeitam meu trabalho. Seja pelo movimento de vida que eu fiz. Sei que foi bem legal ouvir: "Pô, você merecia essa chance. Que bom ter você aqui de novo". Foi demais.

UOL – E o curso em Los Angeles, o desejo de deixar o Brasil?

Felipe Camargo – O curso foi totalmente prático. Recebíamos o texto e já interpretávamos. No primeiro dia já fiz um "chicano" bêbado com um nova-iorquino. Fui selecionado para fazer as apresentações abertas ao público às quintas-feiras. Foi um barato. Estava me apresentando em inglês para diretores e agentes. Não sei se continuasse lá, de repente, alguma coisa poderia rolar. Deu para ver que não é impossível. Claro, que eu teria de ficar mais tempo, fazer muitos testes e batalhar. Por isso, eu respeito muito o Rodrigo [Santoro]. É difícil conseguir o que ele está conquistando lá fora. Lembrando que eles são extremamente nacionalistas, o americano gosta do americano.

UOL – O que você está achando do Portinho [personagem do ator na novela “Tempos Modernos”, que é um astrônomo]? Vocês têm algo em comum?
Felipe Camargo –
Não é muito um cara da nossa época. É um ser sem ambição, não é ansioso, tem um raciocínio diferente. Na pesquisa que fiz para o Portinho, li alguma coisa sobre astronomia, partes da biografia do Einstein. Aliás, achei genial saber que o Einstein só usava ternos brancos para não perder tempo escolhendo a roupa. Para mim, o Portinho é bem concentrado no que ele está pensando e fazendo. Não dá importância ao que está envolta. Por isso, está sempre num tempo diferente. Eu me divirto. Não penso demais no personagem, não. Tento me transpor para a vida do cara. A gente foi ao observatório, em São Cristóvão, e achei muito bacana pensar que todos nós somos feitos da mesma matéria. Isso é tão louco, que a gente deixa de dar valor a certas coisas. Como o Portinho, sou muito distraído. Fui criado numa família com nove pessoas. Era obrigado a me desligar, senão enlouquecia. Desenvolvi uma capacidade que mesmo em meio ao caos, posso ficar completamente voltado aos meus pensamentos. O Portinho também resgatou uma fase da vida em que eu pensava mais sobre o universo, para onde a gente vai. Reflexões mesmo.

UOL – Você fez uma exposição de fotos numa galeria no Rio de Janeiro em 2009. Pouca gente sabe desse seu interesse pela fotografia. Como ele surgiu?
Felipe Camargo –
Eu gosto de fotografia antes mesmo de pensar em ser ator. Meu pai adorava fotografar. Sem pretensão nenhuma e de forma amadora, ele usava uma máquina automática. Mas, lembro que ele fotografava muito a gente. Também acho que foi influência do meu irmão mais velho, o João, que comprava e lia muito histórias em quadrinhos e, claro, eu, na cola dele. Se você olhar bem, os quadrinhos são, praticamente, fotogramas. Há planos abertos, fechados, closes. Aos 15 anos, eu já fotografava. Eu e meu irmão tínhamos um equipamento, não me lembro a marca, mas eram lentes boas. Durante uma viagem para Búzios, quando eu tinha uns 18 anos, roubaram tudo. Fiquei um tempo sem equipamento. Depois que fiz a novela “Mandala”, viajei pela primeira vez para o exterior. Fui para Nova York. Lá, comprei alguns equipamentos. Depois, toda vez que eu viajava comprava mais alguma coisa. Nunca fiz cursos. Fui fuçando, lendo.

UOL – Como é seu trabalho na fotografia?
Felipe Camargo –
Há uns quatro anos fotografo a chuva de dentro do carro. No sei bem a razão, mas passei a prestar atenção nos efeitos e nas distorções da água batendo no vidro do carro. Comecei a fotografar com uma câmera digital simples. Acho interessante a interferência no resultado das imagens a partir da intensidade e da velocidade da chuva. O vidro do carro seria uma segunda lente e a chuva um filtro. Virou meio uma obsessão. Dá para fazer uma analogia com a nossa vida. Os fatos acontecem, cada um vê de uma maneira. É como se a água fosse a nossa subjetividade. Como eu gosto muito da pintura, principalmente, dos impressionistas, vi nesse trabalho a possibilidade de me aproximar do impressionismo. Também gosto de usar o computador para mexer nas cores e texturas das fotos. Uso um programa bem simples. A foto digital permite a gente experimentar, testar e fazer um trabalho autoral. Acho que tenho um lado meio frustrado de pintor. Queria muito saber desenhar.

UOL – Como surgiu a exposição das suas fotos?
Felipe Camargo –
Comecei a querer mostrar, a tirar aquelas imagens do computador. Tenho a impressão de que há certa originalidade no meu trabalho. Os amigos que viam me incentivavam a fazer uma exposição. Comecei a procurar algumas galerias. Vi que rola um preconceito grande das pessoas porque sou um ator. Procurei seis galerias, sendo uma delas especializada em fotografias. Algumas nem retornaram as minhas ligações para ouvir o que eu queria mostrar. O Edson Alexandre, dono da galeria TNT, ficou interessado em ver meu material. Por outro lado, eu também tive preconceito porque a galeria fica na Barra da Tijuca. Isso porque moro na Barra há uns dez anos. Ao entrar e ver aquela galeria enorme, dei de cara com um quadro do Roberto Magalhães. Depois, vi uma pintura do Volpi. Quase fui embora, morrendo de vergonha. Falei a verdade, que pensava que era uma galeria meio brega. O Edson, que é um conhecedor da arte brasileira, gostou do meu material. Montamos a exposição que aconteceu em setembro de 2009. Foi demais, poderia não vender nada, já estava realizado. Parecia um filho para mim.

UOL – Você vendeu alguns dos seus quadros? Quanto custa cada um?
Felipe Camargo – Vendi. A Claudia Jimenez comprou um. Foi ela que sugeriu o nome da exposição: “Meu Olhar”. Sou péssimo para nomes. Nós estávamos ensaiando uma peça juntos, que acabou não acontecendo. Conversando sobre o assunto, ela deu a ideia. A Malu [Mader] comprou três, o Miguel Falabella também comprou um. E outras pessoas que eu não conheço como um corretor de imóveis também comprou duas fotos. Adorei ter vendido. É uma forma de reconhecimento. Os preços variam de acordo com o tamanho das telas, que são em séries. A mais cara custa R$ 6 mil.

UOL – Você quis ver como ficou seus trabalhos nas casas dos seus clientes?
Felipe Camargo –
Engraçado, não tive essa curiosidade de ver como ficou. O Miguel disse que quer marcar um jantar para eu ver o quadro na casa dele. É uma gentileza dele.

UOL – Como surgiu a vontade de ser ator?
Felipe Camargo – Não tinha ideia do que eu queria fazer. Aos 19 anos, comecei a estudar economia na Universidade Cândido Mendes e a trabalhar em Furnas. No primeiro mês já vi que não era a minha praia. Lá mesmo comecei a escrever. Surgiu o interesse pelo cinema, que juntou com o meu prazer pela fotografia. Minha intenção era dirigir no cinema. Cheguei a escrever roteiros e a estudar jornalismo por seis meses. Bom, pintou um curso de teatro dentro de Furnas. As aulas eram dadas pelo crítico chamado Clóvis Levi, que era maravilhoso. Ele tinha muito conhecimento teórico, prático. Entrei no curso, pensando em aprender mais sobre aquele universo para dirigir os atores. Logo nos primeiros exercícios fiquei tão louco, nervoso. Senti o poder do palco. As possibilidades que o palco oferece. Poder ser qualquer coisa sem ser nada. Meio que brincar de fingir. Decidi naquele momento que era aquilo que eu queria para minha vida.

UOL – Quanto tempo você trabalhou em Furnas?
Felipe Camargo –
Fiquei durante um ano e meio em Furnas. O teatro que me segurava lá. Claro, também ganhava o meu dinheiro. Mas o Clóvis saiu e a mulher dele o substituiu. Dava aulas de um dos métodos do Boal [Augusto], o teatro do oprimido, que questiona e investiga o oprimido. Nós usamos situações da própria empresa como o assédio do chefe em cima da secretária. Mas a empresa colocou dois espiões na aula e a professora foi mandada embora. No lugar dela, colocaram uma mulher que dava aula de peixinho e árvore. Fiquei revoltado pedi demissão e fui fazer cursos de teatro. Minha família dizia que eu era maluco de largar Furnas, foi contra. Entrei lá de peixada. Já sabia que ao me formar em economia, seria um alto executivo de Furnas. Minha família ficou louca. Naquela época, ator era coisa de viado. Havia muito preconceito.

UOL – O que você fez depois?
Felipe Camargo –
Fui fazer um curso de teatro no Tablado. Lá, onde conheci o Damião, meu primeiro mestre. Era uma figura folclórica, tinha uma cara fechada, de mau, um bigodão de mexicano, careca e gordo. Aí perguntei para ele se tinha vaga para as aulas dele. Lembro que ele me olhou bem sério, pegou uma ficha com os nomes dos alunos, riscou um deles, dizendo que tinha. Fiz os exercícios, ele gostou e me chamou para fazer “Capitães de Areia”, do Jorge Amado. A peça fez o maior sucesso. Aí minha família dizia com orgulho, puxa o Felipe é um ator [risos]. O Jorge Amado assistiu à peça. Fiz todos os espetáculos. Viajamos com a montagem. Foi o maior sucesso de teatro que fiz até hoje. E, lá se vão 28 anos. E, olha, não fico muito tempo longe dos palcos, mas nada foi igual. Dali, surgiu a proposta para fazer “Anos Dourados”, que me lançou na televisão. Fiz amizades maravilhosas. Não convivo mais com a Malu Mader, mas o carinho que a gente sente é o mesmo daquela época, assim como a Isabela Garcia, o Taumaturgo Ferreira.

UOL – Como está a vida de casado? Você e a Malu Guimarães pensam em filhos?
Felipe Camargo –
Depois de cinco anos de namoro, estamos morando juntos desde dezembro de 2009. Está maravilhoso. Amo minha mulher. Ela é a minha companheira mesmo. Estamos pensando em ter um filho. Para o Gabriel [filho de Felipe com a atriz Vera Fischer], acho que será um barato. Meio tio, meio irmão. Ele é meu melhor amigo. Somos bem próximos. Costumo dizer que o Gabriel é mais artista do que eu. Agora ele está com 17 anos, mas aos 14 já fotografava, fazia vídeos, grafites, toca bateria. Ele tem diversos talentos. Acredito que seguirá a área artística. É um cinéfilo, vê muito mais filmes do que eu. Vai ao cinema quase todos os dias. Vê tudo que entra em cartaz. Também ouve música o tempo todo.

UOL – Você e a Vera Fischer convivem bem?
Felipe Camargo –
Claro! Há muito tempo está tudo bem entre nós.

UOL – No dia primeiro de agosto você completa 50 anos. Como lida com isso?
Felipe Camargo –
Acho que não dimensiono muito isso. Não fico pensando que vou fazer 50 anos. Eu me sinto muito novo. Claro, aparecem umas dores no corpo. Não tenho mais a resistência que eu tinha. Se eu for jogar uma partida de futebol hoje, amanhã eu não ando. O físico sente, não tem jeito. Claro, que o espelho também [risos] Eu até deveria me cuidar mais.

UOL – Você faz planos para o futuro?
Felipe Camargo – Não. Eu evito fazer planos. Todas as vezes que eu pensei em fazer algo, não rolou. Comigo, os planos nunca rolaram. Então, tento viver ao máximo o dia de hoje. Vou vivendo do jeito que a vida vai se apresentando. No máximo, programo as minhas viagens.

 

 

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