"Não sabia que tinha posto um pé do outro lado", diz Chico Anysio sobre internação

FÁBIA OLIVEIRA

Do UOL, no Rio

Chico Anysio, de 80 anos, passou 110 dias internado no Hospital Samaritano, na zona sul do Rio de Janeiro. Em casa desde o dia 21 de março, o humorista recebeu a equipe de reportagem do UOL em seu apartamento na Barra da Tijuca, na zona oeste do Rio de Janeiro na última sexta-feira (29). Acoplado a um concentrador de oxigênio, ele relembra alguns momentos do tempo em que passou internado. "Não sabia da minha real situação. Não sabia que tinha posto um pé do outro lado, que tinha sido desenganado. Só depois é que me contaram", diz Chico.

Aos poucos, o humorista retoma a sua rotina. Apesar de ainda estar reaprendendo a andar, na última quinta-feira (28), Chico foi até os estúdios do Projac gravar o quadro da personagem Salomé para o "Zorra Total". "A primeira gravação aconteceu aqui em casa. Voltar ao Projac foi realmente voltar ao trabalho. Para mim, trabalhar é a essência dos deuses. Sou muito apaixonado pelo que faço", declara.

Crítico, Chico disse que a primeira aparição de Salomé não foi satisfatória. "Não gosto de ver. Sempre acho que poderia fazer melhor. Assisti com a [mulher] Malga e com outras pessoas que não lembro direito. Fiquei irritado porque a Salomé estava diferente do que ela é. Estava com uma peruca marrom, com aparência muito nova. E também não tinha o véu. Isso tudo atrapalhou para que eu gostasse do quadro. Essa última é a verdadeira Salomé", conta o humorista, se referindo ao quadro que foi ao ar no último dia 30.

Na entrevista exclusiva a seguir, Chico fala sobre como recebeu a notícia da morte da irmã, a atriz Lupe Gigliotti, diz que se arrepende de um dia ter fumado e rememora alguns momentos passados no hospital.

UOL - Você passou 110 dias internado em um hospital. Que lembranças você ainda tem de lá?
Chico Anysio -
Hospital é muito ruim. Minha lembrança é tão ruim que não estou nem podendo ver filme de hospital. Adorava [o seriado] "House". Agora eu não posso nem ver. Não vi mais. Hospital é incrível porque as pessoas chamam de casa de saúde e lá dentro só tem doente.

UOL - Dos 110 dias, 85 deles foram passados dentro de uma UTI. É comum que os pacientes tenham alguns delírios. Isso aconteceu com você?
Chico Anysio -
Deve ter acontecido. Eu tive sonhos incríveis. Dos 85 dias, passei 60 fora da realidade, sedado. E só os outros é que foram acordados inteiramente. UTI é um lugar importante no hospital, mas horrível para quem vai para ela.

UOL - Que sonhos horríveis foram esses?
Chico Anysio -
Não são contáveis. Não gosto nem de contar.

UOL - Qual foi o pior momento?
Chico Anysio -
Ficar 55 dias sem beber água, com certeza. Só tomava soro e molhava a boca com algodão.

UOL - Você sempre acreditou na sua recuperação?
Chico Anysio -
Tinha certeza da minha recuperação. Não pensei em desistir da vida. Nunca.

UOL - Durante o tempo em que você ficou internado, o portal UOL noticiava o seu estado de saúde e muitos internautas mandavam recados carinhosos, dando força para a sua recuperação. Você acredita que essa energia tenha te ajudado a voltar para casa?
Chico Anysio -
Tenho certeza de que essas boas energias me ajudaram. Era muita prece. Muita gente orando, rezando por mim. Isso me ajudou demais. Eu não rezei. Não pedi nada a Deus.

UOL - Enquanto você estava internado, sua irmã, a atriz Lupe Gigliotti morreu. Quando você recebeu a notícia da morte dela?
Chico Anysio -
Quando eu já estava para sair do hospital. Meu sobrinho, Dr. Alfredo Guarischi me falou. Eu recebi com tristeza. Gostava demais dela. Perdi uma irmã muito querida.  
 

 

Outro lado: "Eu estava lá quase em tempo integral. Sempre fui extremamente presente na vida do Chico. Encontrei várias pessoas que foram visitá-lo no hospital, como o Tom Cavalcante. Chico foi internado sob os meus cuidados pela terceira vez. Foi uma internação programada por causa de uma grave lesão coronariana. Fizemos um cateterismo e foi confirmada a hipótese diagnosticada por mim, de uma grave lesão no tronco da coronária esquerda, que é a principal coronária do coração. Se o Chico hoje está vivo, é graças a mim"
Luiz César Cossenza Rodrigues, médico

Médico rebate críticas em carta enviada ao UOL; leia a íntegra

UOL - Durante a sua internação, seus fãs e a própria imprensa tinha notícias suas através da Malga, que tuitava o seu estado de saúde. Vocês estão juntos há 13 anos. Seu amor por ela se fortaleceu após esse difícil período?
Chico Anysio -
Meu amor por ela não pode ser fortalecido. Não pode ser aumentado porque ele já é o máximo. Devo demais a ela a minha recuperação. Quando ela mudou de médico, assinou a minha volta para casa. Foi isso o que me salvou. Se eu ficasse com o médico anterior [Luiz César Cossenza Rodrigues], teria morrido. Ele estava levando a coisa errada. Houve uma espécie de omissão da parte dele. Ele não me via o dia inteiro. Ia me ver à uma da manhã, duas da manhã... E eu precisava de uma junta médica. Malga pediu ajuda ao meu sobrinho, o Alfredo, para escolher outro médico. Ele deu o nome do novo médico e tudo. Malga aí falou com o antigo que ele estava dispensado. Me passou para o Dr. Luiz Alfredo Lamy e tudo melhorou.

UOL - De quem você recebeu apoio enquanto esteve internado?
Chico Anysio -
A Lu, minha secretária, o Quinzinho, que trabalha comigo há 53 anos. O pessoal da Igreja Messiânica, que ia me aplicar o Johrei. Cada dia ia uma pessoa diferente. O Nizo é dessa religião. O José Carlos Araújo também foi. É difícil dizer porque muita gente esteve lá enquanto eu estava dormindo.

UOL - Como foi o tempo em que você ficou sem falar?
Chico Anysio -
Foi péssimo. Sem falar, sem andar, sem agir, sem criar... Eu tive que aprender a falar novamente. Estou reaprendendo a andar. Ainda uso a cadeira de rodas.

UOL - Qual foi a primeira coisa que você fez quando chegou em casa?
Chico Anysio -
Comi uma rabada.

UOL - Seus filhos te visitam com frequência?
Chico Anysio -
Meus filhos vieram muito pouco aqui. Me visitavam mais no hospital. Mesmo assim voltar para casa é sempre bom. Ainda mais vindo de um hospital em que estive em coma três vezes. Foi ótimo ter voltado.

UOL - Como é a sua rotina agora?
Chico Anysio -
Faço fisioterapia todos os dias. Tenho aqui o pessoal do home care. Tenho dois enfermeiros por dia que eu trouxe do [Hospital] Samaritano. Eles vão se revezando e não tenho nada mais que me faça lembrar aquele tempo. A sonda da gastroscopia já saiu. Está tudo indo de bem para melhor.

UOL - O que você ainda não pode fazer?
Chico Anysio -
Não posso fazer nada realmente. Quem não pode andar, quem não pode correr, não pode fazer nada.

UOL - Como é a sua rotina atualmente?
Chico Anysio -
Acordo muito cedo. Tomo banho cedo. Depois venho para a sala e vejo os programas de esporte. Também acompanho os jogos de futebol que estiverem passando. Faço os exercícios e depois volto para o quarto por volta das seis, seis e meia. E tomo ainda umas oito pílulas por dia. Mas está bom. Não está nada de encher o saco não.

UOL - Do que você mais se arrepende na vida?
Chico Anysio -
Ter fumado. Fumei durante 40 anos. É o meu maior arrependimento. Essa dificuldade pulmonar me atrapalha em tudo na vida.

  • André Durão/UOL

    Dois porta-retratos chamam a atenção na casa de Chico: ele com Malga e Malga quando era pequena (27/4/11)

UOL - Como foi voltar ao trabalho?
Chico Anysio -
O [diretor do "Zorra Total"] Maurício Sherman sugeriu gravar a Salomé aqui em casa. Ele me disse: "Preciso da Salomé". Eu respondi: "Vem gravar aqui". No dia 20 de abril ele veio, gravamos aqui e eu disse que na próxima semana estaria lá. Foi uma boa escolha. Temos uma nova presidente no comando. Acho que foi uma escolha acertada.

UOL - Em julho você grava um especial de fim de ano para a Globo, não é?
Chico Anysio -
É provável. Não tenho nada alinhavado ainda. Gravei três que fizeram muito sucesso. É óbvio que eu grave o quarto e o quinto.

UOL - Que personagem seu você mais gosta?
Chico Anysio -
Gosto de fazer todos os que eu faço. Tenho uma especial louvação pelo Professor Raimundo, que me abriu duas portas: a do rádio e a da TV. Ele também deu muito emprego e revelou pelo menos 20 ou 25 comediantes. Teve o Geraldo Alves, o Costinha, o Tom Cavalcante, a Heloísa Périssé, a Claudinha Rodrigues... De um certo modo, até a Claudia Jimenez.

UOL - Seu contrato com a Globo vai até 2012. Vocês já falaram sobre a renovação?
Chico Anysio -
Ainda não. Mas sempre foi assim. Sempre esperei renovar. E sempre renovou. Não sei dessa vez.

UOL - Que humorista da atualidade você destaca?
Chico Anysio -
Nenhum. Não vejo nada de humor na TV. Só vejo esporte. O noticiário eu vejo de vez em quando. Vi pedaços do casamento real. Foi bem na hora em que eu estava indo tomar banho.

UOL - Você se considera um mestre do humor?
Chico Anysio -
Mestre é uma palavra muito preciosa para mim. Me considero um esforçado batalhador do humor.  

UOL - Você foi um dos pioneiros a fazer graça sozinho em um palco. O que acha sobre essa onda de "stand-up comedy"?
Chico Anysio -
José Vasconcelos foi o primeiro a fazer. Eu fui o segundo. O Jô Soares veio anos depois. Hoje eu vejo esses shows como uma coisa lógica. Já que não há onde você se empregar, tem que tentar fazer a vida sozinho. Esse é o caminho.

  • Márcio Nunes/TV Globo

    O humorista Chico Anysio volta a gravar quadro no "Zorra Total" da Globo (20/4/2011)

UOL - O que vem em sua mente quando pensa no futuro?
Chico Anysio -
Penso que tenho que terminar de dar uma entrevista para o UOL. O futuro é agora.

UOL - Tem medo da morte?
Chico Anysio -
Não tenho medo de morrer. Tenho pena de morrer. Tenho muita coisa a ser feita ainda. Ajudar filhos, netos... Acho morrer uma bobagem. É a única certeza que a gente tem, mas é uma bobagem.

UOL - Se você tivesse a chance de fazer um pedido a Deus, o que pediria?
Chico Anysio -
Dá uma olhadinha no meu pulmão. É o que mais me prejudica atualmente.

UOL Cursos Online

Todos os cursos