Após 21 anos, Vereza retorna aos palcos em peça baseada em drama da filha

Renato Damião

Do UOL, no Rio

Carlos Vereza mexe no celular e olha o aparelho com certa desconfiança. Digita alguns números e acaba por chamar Roberto, seu assessor pessoal. "Estou tentando desbloquear o cartão, mas me pedem tantas senhas que desisti", disse ele ao receber a reportagem do UOL no apartamento onde vive no Rio de Janeiro. A cena é bem diferente da vista na peça "O Teste In Blues", onde o ator interpreta Michael, um cinegrafista solitário ligado à tecnologia e que se envolve com uma jovem atriz.

 O espetáculo marca o retorno de Vereza aos palcos após 21 anos. "Não sei explicar o que me fez ficar tanto tempo longe, sofri um acidente em uma gravação do 'Delegacia de Mulheres' que estourou meus ouvidos, durante três anos sofri com labirintite e desenvolvi depressão. Acho que foi um somatório de tudo. Quando vi, estava fazendo só televisão", contou.

O jejum foi quebrado por uma razão muito particular. Pai da atriz Larissa Vereza, o ator viu na história da filha o mote para a peça. "Um dia minha filha chegou a casa dizendo que havia passado para um teste e que no dia seguinte iria experimentar o figurino do personagem. Quando ela voltou à emissora em questão descobriu que o papel não seria mais dela. Aquilo me entristeceu. Em quatro madrugadas, escrevi a peça", explicou.

Fernando Maia/UOL
Acho que aqui no Brasil, o fato dela ser minha filha, prejudicou

sobre a filha

Vereza divide o palco com Carolinie Figueiredo, a atriz que se submete a um teste de câmera, sem saber ao certo do que se trata a produção. "Em geral isso acontece muito. De alguma forma, estou fazendo uma denúncia. Sei de muita picaretagem. Há algumas agências que cobram taxa de inscrição", lamentou o ator. A decepção de Larissa fez com que ela se mudasse para os Estados Unidos com o marido e a filha em busca de melhores oportunidades.

"Acho que aqui no Brasil, o fato dela ser minha filha, prejudicou. As pessoas acham que, pelo fato de eu ter 54 anos de carreira, uma palavra minha colocaria ela em um elenco, mas eu sempre fiz questão que ela fizesse teste", desabafou Vereza. Larissa chegou a participar de tramas como "Paraíso" e "Amor Eterno Amor", ambas na Globo.

Quanto a parceria com Carolinie, ele revelou que a atriz frequenta os estudos que faz em sua casa sobre espiritismo e física quântica. "Um dia pedi para ela ler o texto e senti uma força. Montei o espetáculo sem patrocínio, acho que estava maluco", disse dando risadas.

"Estamos sempre sendo testados"

Para Vereza, "O Teste In Blues" é uma metáfora dos testes da vida. "Estamos sempre sendo testados. Mesmo eu, com tantos anos de carreira", afirmou. Ironicamente, o único teste feito pelo ator ao longo de sua trajetória foi para o filme "Memórias do Cárcere", no qual interpreta o escritor Graciliano Ramos.

Um ator que não anda na rua se limita

sobre jovens atores

Com olhar crítico sobre a nova geração de atores que só pensa na fama, o ator acredita que o defeito da nova geração é a carência de leitura. "Eles leem muito pouco os clássicos, sem falar que hoje em dia está mais fácil. Eles entram em uma escola e logo estão em 'Malhação', opinou. De acordo com Vereza, o preço da fama é a limitação que causa no ator. "Um ator que não anda na rua se limita. A rua, o olhar, é nossa matéria de criação".

Aos 76 anos, Vereza não teme a escassez de personagens. "Um ator nunca pode ser substituído e sempre haverá um papel de avô para a gente representar", disse, dando risadas.

"Jovens não conhecem Rimbaud"

Morador do subúrbio do Rio de Janeiro, Vereza estreou nos teleteatros ainda na adolescência. De lá para cá somam mais de 40 novelas no currículo e personagens icônicos como o Miro, de "Selva de Pedra", e o senador Roberto Caxias de "O Rei do Gado". Militante político na década de 60 e 70, a casa do ator foi cenário das "reuniões de alta cúpula" do Partido Comunista Brasileiro.

  • Reproducao/Robens Valente/Folhapress, PODER

    Vereza, quando era militante político em manifestação em Brasília

Feroz crítico do PT (Partido Trabalhista), Vereza viu nas manifestações realizadas no Brasil em junho um "impacto positivo". "Mas começaram a infiltrar pessoas e esse quebra-quebra serviu para jogar a população contra a manifestação pura. Para mim, quando o cara coloca uma máscara, ele não tem boa intenção", avaliou.

Para ele, a juventude atual está sendo manipulada. "Quem paga para eles ficarem acampados na porta do Cabral [Sergio Cabral]? Eles não estudam, não trabalham. Os jovens de hoje não sabem quem é Rimbaud", prosseguiu ele citando o poeta francês.

Leitor ávido, fã de cinema e jazz, Vereza é capaz ainda de discorrer sobre disco voadores – que ele garante ter visto em 97 na Pedra da Gávea – e sobre a mudança do eixo da Terra após o tsunami. Até o dia em que a entrevista foi feita, ele pretendia assistir ao longa "Frances Ha", novo clássico da geração indie. "Minha idade cronológica não tem nada a ver com a minha idade biológica", explicou.

Longe da TV, ele se dedica ao teatro, aos seus recitais onde toca flauta e recita poesia, aos inúmeros roteiros para televisão. Antes de terminar, mostra um álbum que gravou na década de 70. "Pensei em ser cantor, adoro narrar. Minha voz ainda hoje é uma presença forte", revelou. Indagado se foi uma arma de sedução, com certo acanhamento, ele disse: "Não sei se era minha voz, mas acho que ajudava".

Serviço:
"O Teste In Blues"
Onde: Teatro Tom Jobim, Jardim Botânico, Rio
Quando: Sex e Sáb às 21h; Dom às 20h
Quanto: R$ 60

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