Após abrir mão da fama, ator se diz livre: "A rua é onde você muda o mundo"
Giselle de Almeida Do UOL, no Rio
A imagem do galã, eternizada no inconsciente coletivo pela TV, ainda mobiliza as pessoas. Eduardo Tornaghi arrumava os livros sobre a mesa, e o evento Pelada Poética, que acontece toda quarta-feira na praia do Leme, no Rio, ainda não havia começado. A corretora de seguros Regina Alto, de 40 anos, chegava esbaforida, pedindo desculpas pelo pequeno atraso. Moradora de Petrópolis, era a primeira vez que ela via de perto o ídolo de novelas como "A Gata Comeu", exibida pela primeira vez na Globo em 1985. "Vim conhecer o lado poeta dele. O lado ator a gente já sabe que é especial. Estou muito emocionada", contava ela, ansiosa com uma foto com o ator, no dia em que o UOL acompanhou o evento.
Afastado de grandes trabalhos da televisão como "Dancin' Days" e "Vereda Tropical", que o projetaram nos anos 70 e 80, Tornaghi hoje reage à abordagem de forma bem comedida, ao contrário do que o jovem intérprete, no auge da carreira faria. "É claro que fico feliz com o reconhecimento. Ao mesmo tempo, vem uma vozinha dizendo: 'Cuidado com a vaidade'", afirma o carioca de 62 anos, de volta à mídia depois de aparecer em uma reportagem do "Domingo Show", da Record.
Por falta de maturidade, ele diz, não soube lidar direito com as mudanças que a exposição em rede nacional causou. "Não me deslumbrei com o sucesso, eu administrava bem. Mas quando as pessoas começam a te olhar de baixo para cima, sem querer, você começa a se achar. Senti que estava perdendo o pé", admite ele, que hoje é artista de rua sem a menor vergonha. Ao contrário, entre uma citação de Guimarães Rosa aqui e uma referência a Manoel de Barros ali, diz que se sente mais livre.
"As pessoas olham com pena para os artistas de rua, mas eles estão alegrando as pessoas, prestando um serviço. Estão fazendo aquilo porque querem, não é porque não têm alternativa. Estão realizando o sonho de viver da arte", analisa. Desde que decidiu abrir mão do status de celebridade, dedicou-se ainda a trabalhos sociais, com meninos de rua e presidiários, atividades das quais se orgulha.
"A rua é onde você muda o mundo de verdade", completa ele, explicando que os colegas não entenderam muito bem sua decisão de se afastar. "A televisão é igual à Fórmula 1, o lugar que todo mundo quer. Mas você precisa lutar por isso e eu parei de lutar, fui saindo aos pouquinhos, fui me tornando mais criterioso. Diziam que eu tinha ficado maluco. Parecia um insulto. Teve gente que virou as costas ao passar pela orla e me ver no ponto, esperando o ônibus. Fiquei chocado", lembra.
Além de exercitar seu talento para a interpretação no evento de poesia, Tornaghi continua exercendo a profissão no teatro e no cinema, além de outras frentes. Trabalho não falta e viver é barato, afirma. "Faço locução, coaching, espetáculos em empresas, palestras em escolas... Tem sempre um biscate para um bom ator", comenta ele, sorrindo.
Pai de Carolina, de 15 anos, e Gabriela, de 12, ele não descarta, no entanto, uma retorno à telinha. "Eu gosto da minha profissão, não tenho nada contra a TV. Lá você trabalha com os melhores profissionais, os melhores equipamentos. Claro que voltaria, com um bom contrato. Tenho duas filhas para criar", diz ele, cujas últimas aparições foram participações na série "Carga Pesada", em 2006, e na novela "Uma Rosa com Amor", em 2010.
À frente da Pelada Poética há pelo menos 15 anos - dez na mesma praia -, o ator promove o evento (que chama de missão) toda quarta-feira, "faça chuva ou faça lua", a partir das 19h. E assim será no próximo Réveillon. Ali, misturam-se amigos de amigos, frequentadores de outros saraus, como a atriz Izabel Rangel, que volta e meia leva algum livro, e figuras constantes como os poetas Ovídio e Romildo Meireles, que declamam um poema atrás do outro, de cor.
"Nessa pelada, jogam craques e pernas de pau", diz Tornaghi. "É fundamental brincar com o texto, assim como quem joga precisa ter intimidade com a bola. O prazer é mais importante que a técnica", analisa. Na mesa, livros do próprio Tornaghi, de seu pai, Newton, além de Ledo Ivo e Homero, entre outros autores, estimulam a criatividade. "Teatro bom é como uma partitura clássica, você precisa obedecer cada intervalo. Na poesia, você não tem partitura, é como o jazz. É uma viagem interessantíssima."