"Preconceito é um vírus doentio", afirma Ro Ro sobre gays em "Babilônia"

Giselle de Almeida
Do UOL, no Rio
Bob Wolfenson
Para Angela Ro Ro, que já foi vítima de agressão por homofobia, críticas são hipocrisia

Mais do que alimentar acalorados debates virtuais sobre os "valores da família brasileira", o beijo gay de "Babilônia" ajuda a escancarar algo bem real: o preconceito. Quem garante é a cantora Angela Ro Ro, que já sentiu na pele o significado de homofobia e que enxerga muita hipocrisia nas críticas, feitas por parte do público, ao relacionamento de Teresa (Fernanda Montenegro) e Estela (Nathalia Timberg).

"A reação positiva, sem dúvida, é legal. Mas, antropologicamente falando, é bom ter a negativa, pra gente ver o quão tacanha ainda é a mentalidade das pessoas. Nudez, baixaria, violências domésticas, barbaridades em família, tudo é permitido. Não só na novela, no dia a dia, e isso passa batido", analisa a cantora. "Gilberto Braga, que é um dos grandes dramaturgos modernos, acertou em cheio. A novela está mostrando personagens que são triplamente alvos de preconceitos: mulheres, homossexuais e da terceira idade. E ainda querendo formalizar a união. Acho bravíssimo", elogia. 

Homossexual assumida, a artista chegou a ser agredida fisicamente, por mais de uma vez, na década de 80. Até hoje, nada mudou muito, garante ela, hoje com 65 anos. A não ser a vinda de um novo preconceito, agora em relação à idade.

"Essa gente é chata, né? A novela mostrou um beijo muito sutil, elegante, e as duas atrizes são divinas. E tem gente falando negativamente de 'duas velhas se beijando'. É homofobia e 'senilfobia'. As pessoas acham que, depois de 60 anos, estamos todos caducos. Eu tô aqui viva só pra pentelhar, só pra incomodar os chatos. Poderia ter morrido jovem. Já fui atacada muitas vezes, por estranhos e até pela segurança pública. Já fui tirada de dentro do carro, com tudo em dia, não estava bêbada, não tinha droga, nada. Sofri cinco espancamentos por homofobia. Mas não me recolhi de medo", lembra a cantora. 

Reprodução/Tv Globo
Beijo entre as personagem de Nahália Timberg e Fernanda Montenegro no primeiro capítulo de "Babilônia"

"Preconceito é um vírus doentio que, infelizmente, não vem separado, vem no pacote. As pessoas que são preconceituosas também são racistas, reclamam de estrangeiros. Elas descobrem todas as formas de pré-julgar a mulher, velhos, crianças, detestam doentes, odeiam deficientes físicos, como se eles fossem deuses supremos imunes a qualquer fraqueza", afirma. 

No dia a dia, Ro Ro diz que percebe um olhar diferente dos jovens, que a consideram "jurássica". "Tem pessoas que têm problema com isso, só depois que você entra na terceira idade é que você entende. Vou resolver um problema no banco e já me olham diferente. 'A senhora não quer sentar?', 'A senhora vai esquecer sua bolsa'. Nasci em dezembro de 49, sou jurássica para eles. A pessoa de 30 anos se acha dona da memória universal. Se você tem mais de 60, já pensam: 'Ih, lá vem mais uma louca caduca reclamar'. Mas minha memória é motivo de orgulho e amargura", brinca.

Se a memória é excelente, o passado é revisitado com carinho. Recentemente, em sua página no Facebook, Ro Ro fez uma homenagem a Zizi Possi, com quem teve um conturbado relacionamento há mais de trinta anos. No texto, ela exalta o "canto sensível e contundente" da ex e deseja "longa e sadia vida à Zizi Possi". "Ela é dona de um belo canto, que me emocionou muito. Tudo ali é verdade. Mas falo como plateia, não é nada pessoal. Não tem briga, isso não existe, não a vejo há séculos (risos)'", conta ela, explicando que homenageia vários artistas de acordo com as mudanças dos signos do zodíaco. 

Um encontro musical com a ex até faz parte dos planos da cantora, mas tudo não saiu do campo das ideias. "Cabe ao meu escritório entrar em contato com o dela. Pra ser sincera, ia morrer de vergonha, depois de 30 anos, ligar pra perguntar se ela aceita. Mas se ela topar vai ser um showzaço, cada uma cantando seu repertório e alguma coisa juntas, juntar a minha voz rouca e grave com a voz cristalina dela. Mas é uma ideia profissional. Nunca faço catarse nas redes sociais", afirma ela, que brinca sobre a repercussão que o possível show iria causar. "Até pela parte da fofoca, do disse me disse, seria maravilhoso, faria uma bela bilheteria", diverte-se.