Morre na Bahia dona Canô, aos 105 anos, mãe de Caetano e Bethânia
Luiz Francisco
Do UOL, em Salvador
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Eduardo Knapp/Folhapress
Ago.2012 - Dona Canô,104 anos e prestes a completar 105, fala sobre o filho Caetano em sua casa na capital baiana
Da construção de um teatro à escolha do nome de uma escola; da pavimentação de ruas e avenidas às reivindicações políticas; da organização de festas religiosas à catalogação do acervo contando a história da cidade, os principais acontecimentos de Santo Amaro nos últimos 50 anos passaram pela aprovação de Claudionor Vianna Telles Velloso, mais conhecida pelos brasileiros como dona Canô, morta aos 105 anos na manhã desta terça-feira (25) em sua casa, na cidade de Santo Amaro da Purificação no Recôncavo Baiano.
FAMOSOS HOMENAGEIAM DONA CANÔ NAS REDES SOCIAIS
A assessoria de Caetano Veloso, filho de Dona Canô, escreveu no Twitter que agradece a solidariedade de todos no momento da morte de sua mãe e pede que os fãs enviem palavras de conforto na página do cantor no Facebook: "Caetano agradece a solidariedade".
Dona Canô foi levada ao hospital no dia 15 de dezembro depois de sofrer um ataque isquêmico cerebral, que causa a redução do fluxo de sangue nas artérias do cérebro. Após seis dias internada no Hospital São Rafael, de Salvador, ela teve alta hospitalar no dia 21, embora tivesse apresentado uma "discreta piora da função respiratória". A mãe de Caetano Veloso e Maria Bethânia seguiu com tratamento em casa, em Santo Amaro, na Bahia.
A matriarca dos Velloso está sendo velada em casa pelos filhos e familiares. O velório aberto ao público será realizado a partir das 18h (de Brasília, 17h no horário local), no Memorial Caetano Veloso, também em Santo Amaro da Purificação. Na quarta, será celebrada uma missa às 9h e o enterro será às 10h.
Apesar de nunca ter sido candidata a nenhum cargo eletivo, dona Canô, considerada pelos moradores como uma espécie de "prefeita vitalícia", sempre era consultada antes que qualquer decisão importante fosse tomada no município. Nascida no dia 16 de setembro de 1907 em Santo Amaro (71 km de Salvador), cidade onde também se criou e se casou, Canô Velloso, até completar 90 anos, acordava todos os dias às 5h30 para fazer o café, regar as plantas e inspecionar os trabalhos de sua ampla casa (um sobrado de dez dormitórios), localizada à avenida Ferreira Bandeira, 179, onde morou desde 1951.
"Depois que fiz 90 anos, meus filhos não me deixaram mais trabalhar. Mas nunca gostei de ficar parada. Antes, nada aqui (na casa) acontecia sem que eu desse a última palavra, absolutamente nada", disse dona Canô, poucos dias antes de completar 105 anos.
Muito religiosa, devota de Nossa Senhora da Purificação, sempre participou da missa aos domingos, mesmo quando tinha dificuldades para se locomover e precisava do auxílio de uma cadeira de rodas. O seu quarto era uma extensão da igreja matriz de Santo Amaro, cidade do recôncavo baiano _terços, livros com orações, imagens religiosas e a Bíblia faziam parte da "decoração" das paredes e estantes, ao lado das fotografias de familiares e réplicas de discos de seus dois filhos ilustres, Caetano Veloso e Maria Bethânia.
Quase sempre de vestido branco, Canô Velloso gostava de dizer que o segredo de sua longevidade foi ter "acertado no casamento" e a alimentação. "Fui casada com Zeca (José Telles Velloso) por 53 anos e, durante todo esse tempo, nunca discutimos, brigamos ou reclamamos dos nossos filhos. Então, isso só pode fazer bem para a saúde, não é?", costumava dizer. Na alimentação, suas preferências eram a feijoada, moqueca de arraia e feijão de leite. "As pessoas precisam comer menos e repousar depois do almoço", disse a matriarca da família Velloso, na festa em que comemorou 105 anos.
Tímida, mas sempre bem-humorada, dona Canô atribuía sua "fama" aos filhos cantores. "As pessoas me conhecem por causa do Caetano e da Bethânia. Os turistas que chegam a Santo Amaro nas festas ou finais de semana querem saber o que eles faziam aqui quando eram crianças ou adolescentes. Conto tudo, mas digo também que tratei os meus filhos de forma igual, para mim nunca teve diferença.". Além de Caetano Veloso e Maria Bethânia, dona Canô criou mais seis filhos.
Meus filhos me deram tudo o que tenho
Dona CanôSua relação com Maria Bethânia era especial. "Ela (Bethânia) me telefona duas vezes por dia, de onde estiver. E eu acendo velas momentos antes dos seus shows. Com Caetano é diferente. Ele trabalha muito e, às vezes, demora um pouco para saber de mim. Mas sempre que precisei, Caetano esteve presente. Aliás, meus filhos me deram tudo o que tenho", afirmou a matriarca no ano passado.
Quando indagada sobre a música que mais gostava de ver Bethânia interpretar, a resposta era rápida. "Todas, porque ela dá vida a tudo que canta. Agora, sempre achei A Rosa dos Ventos o seu melhor trabalho." Com Caetano, as respostas eram mais objetivas. "Para mim, ´Não Identificado´ é a melhor, e ´Cá Já´, a pior."
Da infância e juventude, dona Canô costumava lembrar dos passeios que fazia com os amigos pelas usinas de açúcar da cidade, da época dos bondes e do início do namoro com Zeca Velloso. "Conheci Zeca na rua, naquele tempo as pessoas saíam de casa para passear aos sábados e domingos. A partir dali, minha vida mudou completamente."
Com trânsito livre com políticos de ideologias completamente opostas, dona Canô Velloso costumava recorrer a senadores, governadores e até mesmo presidentes da República para "melhorar Santo Amaro". "A gente tem de pedir, cobrar, reivindicar, porque na época das eleições eles pedem votos para todos nós", afirmou Canô Velloso, em uma de suas últimas entrevistas.
Tudo o que pedi para ACM ele fez. Sei que meu filho (Caetano) e ele tinham divergências, mas o importante é que ele gostava muito de mim
Dona CanôEm sua casa, fotografias com dedicatórias e autografadas do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e do ex-senador Antonio Carlos Magalhães (1927/2007) revelam sua convivência com o poder. "Tudo o que pedi para ACM ele fez. Sei que meu filho (Caetano) e ele tinham divergências, mas o importante é que ele gostava muito de mim", declarou a matriarca da família Velloso, às vésperas do seu centenário. "Minha mãe sempre pediu muito mesmo, não apenas para os políticos, mas, também, para os empresários", afirmou Rodrigo Velloso.
Nos últimos anos, além do filho Rodrigo, dona Canô viveu com uma enfermeira, responsável pelo monitoramento de sua saúde, além das empregadas e cozinheiras. Para passar o tempo, lia nos jornais e revistas e assistia a missas na televisão. Eventualmente, acompanhava alguns capítulos de novelas. "Minha mãe foi uma grande noveleira, mas, depois dos 95 anos, começou a acompanhar menos os folhetins", disse a filha Mabel.
A partir de setembro, quando completou 105 anos, os problemas de saúde da matriarca da família Velloso se intensificaram e as internações hospitalares tornaram-se mais frequentes. No mesmo mês do aniversário, ela deu entrada no Hospital São Rafael, em Salvador, com sintomas de gripe e febre. Em novembro, mais uma vez dona Canô ficou internada. Em dezembro, outro retorno ao hospital para se tratar de uma isquemia cerebral transitória.