"Império do Ibope está no fim", diz vice da RedeTV!
Ele é apresentador, executivo da emissora que disputa hoje o posto de quarta maior TV aberta, engenheiro químico e já vendeu lingeries.
Marcelo de Carvalho Fragali, 53 anos, é o chamado profissional multitarefas. Nesta entrevista exclusiva ao UOL, ele revela que a RedeTV! só saiu da crise graças a um corte brutal de custos e ao retorno da amizade que o fez se unir ao sócio majoritário da emissora, Amilcare Dallevo.
Do ponto de vista de personalidade, Marcelo e seu sócio são bem diferentes.
Marcelo é o "exibido" da dupla. Articulado e showman, além de executivo ele apresenta o game "Mega Senha", todos os sábados. Já seu sócio, que se fez na vida graças à genialidade como programador, seria o "nerd" da dupla -- menos propenso às câmeras.
Depois de alguns anos estremecidos, quando quase se separaram, os dois hoje voltaram à sintonia. E ao lucro, garante, Marcelo.
Ele ironiza as lendas e boatos que circularam no mercado nos últimos anos a respeito da venda da RedeTV!
Para o executivo da RedeTV!, o fim do império do Ibope seria algo impensável anos atrás. Ele acredita que a recente união de todas as emissoras (exceto a Globo) em torno do novo instituto de medição de audiência, o alemão GfK, marca uma nova era na TV brasileira (os primeiros números do novo instituto devem sair em agosto ou setembro).
Ele afirma que a união em si de todas as emissoras (exceto a Globo) em torno do novo instituto marca um novo período. É um novo tempo para os que não seguem a cartilha e o monopólio de diretrizes da líder Globo, declara.
Veja a íntegra da entrevista com o executivo e marido da também apresentadora Luciana Gimenez.
Como é que ocorreu essa transição da RedeTV!, que até poucos anos atrás estava em crise, e agora tem dinheiro para contratar até gente da Globo? O que vocês fizeram para arrumar a casa?
Marcelo de Carvalho - Não fizemos nada diferente do que Jorge Paulo (Lemann), Marcel (Telles) e (Beto) Sicupira (da Ambev) fazem com absolutamente todas as empresas que gerenciam: cortamos violentamente custos, aumentamos a receita, cortamos endividamento bancário e criamos uma mentalidade de quase fanatismo pela eficiência. Com isso, fechamos 2014 com o maior Ebitda (resultado operacional bruto) de nossa história, com todos os impostos pagos, funcionários recebendo em dia ou, em muitos casos, antecipadamente (como nos últimos anos ocorreu com o 13º salário).
Vocês tiveram alguma injeção de dinheiro externo? Comenta-se que o banco Sofisa seria um terceiro sócio da TV...
Carvalho - Ah, já tivemos tantos sócios… Roberto Carlos diz serem tantas as emoções, mas eu digo que são tantas as invenções! Desse banco eu não havia ouvido ainda. Para não lhe dar o trabalho de dar um Google, tentarei enumerar as bobagens (inventadas sobre a RedeTV!) em ordem quase cronológica, se não me falha a memória. Listas de invencionices, sócios, donos ou compradores da RedeTV!:
Os cassinos de Las Vegas, o Orestes Quércia, a Globo (eu seria o "filho secreto" de Dona Lily de Carvalho, daí meu sobrenome, claro!), o Boni, o Gugu, Ratinho, R.R. Soares, Edir Macedo, TV Pampa, Valdemiro Santiago, Portugal Telecom, a Globo, sócios norte-americanos...
Só que, em 15 anos, na hora de fazer os cheques, até hoje só o Marcelo e o Amilcare Dallevo compareceram (rsrsrs)… Em absolutamente todos esses casos (incluindo o Sofisa), por mais incrível que pareça, jamais tivemos uma só conversa a respeito! Em tempo: com relação a financiamento BNDES, por exemplo (outra lenda urbana), também não temos um único real.
Você chegou a pensar em vender sua parte na emissora, anos atrás. Você e o Amilcare hoje voltaram aos velhos tempos, em termos de amizade, que levaram a ser sócios?
Carvalho - De fato, o alinhamento dos dois acionistas em torno de objetivos comuns foi um passo fundamental para a retomada do crescimento. Creio que o Amilcare e eu somos duas forças complementares. A empresa, pelos parâmetros clássicos de múltiplos de Ebitda, vale bilhões hoje e não está à venda.
Quais são os próximos passos para a RedeTV? O que fazer para elevar a audiência?
Carvalho - Em primeiro lugar eu questiono a medição de audiência que o mercado usa. Eu não acho que a audiência medida pelo Ibope deva ser levada em consideração. Essa é apenas minha opinião, mas não dá para levar a sério uma empresa que falou nos autos de (uma) ação judicial que o minuto a minuto (ibope medido em tempo real, chamado também de realtime) não deve ser levado em conta. E isso depois de anos disponibilizando essa ferramenta; que num dos últimos apagões (o realtime) zerou as audiências de todas as emissoras, porém continuou por certo tempo dando 10 pontos para a Globo; que discute na Justiça (com derrotas) contra o SBT e a Record… Desculpe, não dá para tomar como base (o Ibope). Como você sabe, dentro de pouquíssimo tempo, teremos no mercado os dados medidos pela GFK e, aí sim, creio que poderemos saber quais são as audiências reais.
Entretanto, não obstante qual seja sua audiência, a construção de uma grade de programação é uma tarefa árdua. Leva tempo, custa dinheiro, precisa criar hábito e tem como primeiro requisito, é claro, agradar ao público telespectador. É como um gigantesco Lego em que cada pecinha tem que se encaixar. Estamos fazendo isso, dia a dia da semana, horário a horário. Assim, o "Você na TV", por exemplo, serviu para dobrar a audiência que tínhamos nas manhãs. Agora, a função do "Melhor pra Você" é levantar esse número mais ainda.
Resolvemos o sábado à noite com a dupla "Operação de Risco" e "Mega Senha". Estamos bem na frente de nossa concorrente mais próxima. E, no dia mais acirrado da TV, o domingo, demoramos bastante para acertar, foram mexidas várias peças desse Lego, mas agora estamos extremamente felizes com o sucesso do "Encrenca" e com a entrega que ele faz para as séries (hoje, o novo "Havaí 5.0") e para o "Te Peguei".
Pode verificar: há várias semanas o "Encrenca" ganha do "Pânico" (na Band) no embate. Daqui a pouco vai ganhar na média. E em um ano será algo tão forte e tão cult como foi o "Pânico". Não o velho e desgastado de hoje, mas sim aquele do passado, quando estourou na RedeTV!.
Você é um executivo e também é apresentador. Qual função você gosta mais?
Carvalho - Vou dividir a reposta em duas partes: alegria e gratificação. O dia mais agradável da minha semana é quando gravo. Aquilo que vai ao ar, as risadas, a alegria, são absolutamente reais. Não uso teleprompter, não uso ponto, improviso 99% do programa. E racho de me divertir enquanto gravo. É uma delícia. Agora, a gratificação pessoal por ser um dos dois acionistas que construíram, do zero, uma das cinco redes abertas de TV deste país, vencendo os obstáculos, dando milhares de empregos, é imensa.
Há algum plano de conteúdo ou novo canal para a TV paga? Vocês já tentaram isso alguma vez?
Carvalho - Não é prioridade, mas está no 'pipeline'. O DNA da RedeTV! é ser produtora de conteúdo e distribuí-lo através das mais diferentes plataformas e não ser a plataforma em si. Mais: o mercado inteiro se questiona quais serão as novas plataformas? Acreditava-se que a TV paga comeria a TV aberta. Não só isso não ocorreu como a TV aberta é a coisa mais assistida por quem tem TV paga. Fui à palestra do CEO da CBS semana passada e o canal americano, o maior do mundo, tem hoje uma audiência maior que onze anos atrás.
E com os Netflix da vida... a TV paga vai perder assinantes? E com o mobile, o online, grátis? Eu, por exemplo, assisti à estreia do "Melhor pra Você" de NY através de meu Iphone, ao vivo. Ou seja, não importa a plataforma, se você tem conteúdo, se você é digital, se você tem mentalidade de abrir seu conteúdo você só irá se beneficiar com o maior número possível de canais de distribuição. O problema é que há concorrentes que ainda se enxergam como "broadcaster", "transmissor" etc. Estão parados na década de 70 e torcendo para voltar ao que eram lá atrás. Esquece isso.
Como você vê esse quase monopólio da Globo na TV paga brasileira?
Para bom entendedor, meia palavra basta: A melhor coisa da união das emissoras Record, RedeTV!, SBT e Band (ou seja, as quatro redes nacionais não-Globo) em torno do lançamento (da medição) do GFK foi a própria união delas.
E com as redes unidas há coisas que não irão continuar mais como são. Afinal, juntas, nossas audiências (mesmo medidas pelo Ibope rsrs) são bem maiores do que todo o resto. Assim como o monopólio do Ibope caiu por terra (há um ano ninguém acreditava), outros paradigmas, outras esfinges que se pensavam intocáveis, cairão. É só aguardar.
O Ibope respondeu às críticas do executivo da RedeTV! Leia aqui
Ricardo Feltrin
Ricardo Feltrin é colunista do UOL desde 2004. Trabalhou por 21 anos no Grupo Folha, como repórter, editor e secretário de Redação, entre outros cargos.